sexta-feira, dezembro 30, 2005

Bolotas com Mate?!

Porque esta viagem à Argentina foi investida de mais qualquer coisa de simbólico e aprendizagem, que quaisquer outras viagens que fiz, não poderia encontrar melhor imagem de partida que a de um «matero» à portuguesa; muito mais do que a versão «gaúcho», a versão «explorador» ou mesmo a versão «turista»...
A selecção de fotos e textos propostos pretende dar a conhecer alguns dos mais felizes momentos de captação de imagens [desde logo limitados pela ditadura do digital, em nada análoga à subjectividade da Pentax K1000, no que respeita ao aproveitamento da luz], as quais são susceptíveis de não ilustrar minimamente a excepcionalidade do que vi... De resto, não foi nada fácil escolher entre aproximadamente 1200 fotos, uma vez que foi privilegiada uma selecção com base em dois critérios fundamentais: estética e vivência pessoal.
Boa viagem...
PS: lamentavelmente os melhores momentos não poderão ser partilhados, jamais e em tempo algum, porque hay que vivirlos...

A Viagem Possível

A VIAGEM POSSÍVEL

Foram somente vinte e dois, os dias que me afastaram parcialmente de Portugal, portanto, das minhas referências culturais e vivenciais. Não tanto tempo como desejaria e sem embargo, com destino ao incerto e parcialmente desconhecido país das pampas. Um chavão desconcertante e inaceitável pela generalização obviamente limitativa de uma realidade multifacetada que se descobre a cada passo dado, em cada recanto cultural ou na magnitude física. Cai o argumento, despedaçado no chão, pois as pampas são apenas uma ínfima dimensão de um país que traz na alma o sangue gaucho (os criolos), feito do instinto guarani, a perseverança acatama, a resistência haush ou também, a sede de glória dos imigrantes europeus..
À partida, algumas garantias resultantes de uma relação virtual com a «prima» Maricruz diminuíam o espectro do isolamento total (não indesejado) e o impacto inexoravelmente atraente de um mundo sem referências empíricas. Era guiado pelos documentários da National Geographic, pelo Maradona e futebol argentino, pela excelência do gado vacum, pelos tangos de Carlos Gardel e Astor Piazzolla, pelo Aleph de Jorge Luís Borges, pela ditadura militar e as mães de Maio, pela ousadia nas Malvinas e por outros registos mais ou menos aproximados sobre aquela que foi, durante muito tempo, a terra da oportunidade...

Vinte e dois dias… dir-me-ão «que bom, tanto tempo…» Não! Recuso sem reservas tal observação, pela evidente castração sensorial que implica e na convicção de que a escassez de tempo acaba por toldar toda a experiência, afunilando-a numa única dimensão: a do forasteiro e da sua lente, desgarradas da complexidade. Mas havia a necessidade de assumir opções e por isso, muito pouco tempo na Argentina. Tão-somente um dia, para percorrer e viver tanta coisa…

As circunstâncias especiais e mais ou menos conhecidas (num fatalismo inultrapassável que se arrastou desde Julho até às vésperas da descolagem em Madrid), fariam desta viagem, não a viagem ideal mas sim a viagem possível. A viagem possível.

De resto, a viagem possível que deixou de o ser no momento em que tomei o primeiro mate, horas depois de desembarcar em Buenos Aires. Nesse preciso momento soube com segurança que não mais seria a viagem possível. E não o seria, não somente pelo deslumbramento propiciado pelas maravilhosas e diversas paisagens, pelos elementos culturais que dão forma a uma idiossincrasia, mas sobretudo pela dimensão humana, explorada e sedimentada em cada contacto, em cada fragmento do quotidiano.
Na verdade, a viagem possível deixou de o ser ainda dentro do aeroporto, quando o inspector da SENASA, alternou o zelo com o «selo»... Ohh, la LEY!

Esta é pois, a experiência partilhada de uma viagem intransmissível, incontável e indescritível, registada com o recurso a uma selecção de fotos e pela minha impossibilidade concreta em relatar com firmeza e rigor, através do verbo, os contornos de uma viagem possível que não mais o foi.
Para amigos!